A maturidade do BIM no Brasil
Atualizado: 19 de out. de 2021

Há diversos métodos e referências mundiais para a realização de estudos que permitem mapear a maturidade do uso do BIM nos países. Atualmente, entre os métodos mais reconhecidos e amplamente adotados no mundo, figura um elaborado pelos especialistas Bilal Succar e Mohamad Kassem. Ao propor uma dinâmica de análise qualitativa, composta por uma matriz modular e integrada, tal método desperta o interesse não somente em razão de criar uma referência comum sobre padrões de maturidade, o que permite efetuar comparações, valorizar e identificar líderes globais. Interessa também porque facilita o mapeamento dos pontos-chave que ainda representam entraves ou desafios a serem superados, de acordo com a realidade de cada país. Tal como resultado, pode ser usado para definir os pontos de atenção específicos que, por sua vez, requerem planos de ações e iniciativas a serem empenhadas em âmbito nacional.
Estruturado em oito dimensões, o modelo definido por Succar & Kassem, chamado Modelo B, possibilita identificar o estágio da evolução de aspectos relacionados a publicações relevantes, papel de lideranças institucionais e aos esforços capitaneados por representantes do poder público. Na mesma medida, viabiliza mensurar os avanços resultantes das práticas empresariais e industriais no setor de AEC - Arquitetura, Engenharia e Construção.
Para a composição do panorama atual brasileiro, sob a ótica do Modelo B, o presidente do BIM Fórum Brasil, Wilton Catelani e o conselheiro Eduardo Toledo Santos, que é professor doutor do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da USP, refletiram sobre os avanços e desafios a serem superados nas oito dimensões, apresentados a seguir.
DIMENSÃO 1 - Objetivos, Estágios e Marcos
O Brasil tem um BIM Mandate, composto pela Estratégia BIM BR e pelo Decreto 10.306, publicado no dia 2 de abril de 2020, bem como pelas portarias complementares. O país possui um Roadmap BIM, com metas e datas bem definidas para a sua adoção completa. Publicadas pelo Ministério da Defesa e Ministério da Infraestrutura, portarias que identificam obras específicas ou detalham critérios para classificar obras de grande e média relevância para a Estratégia BIM BR de Disseminação do uso do BIM no território nacional, complementam o BIM Mandate brasileiro.
O roadmap brasileiro apresenta metas que buscam impulsionar o avanço da prática do BIM em obras públicas, em uma proposta de cronograma que, até 2028, prevê a sua obrigatoriedade em todas as fases das obras. Apesar de o Decreto ter sido publicado com dois anos de atraso, as datas inicialmente propostas para tal cronograma não foram alteradas – mesmo antes do Decreto, os projetos-piloto já vinham sendo desenvolvidos pelo poder público. O Decreto definiu exigências para diversos órgãos públicos, tendo estabelecido o uso do BIM como obrigatório em certas obras desenvolvidas pelas Forças Armadas e pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - DNIT. A Secretaria de Aviação Civil – SAC estabeleceu critérios que indicam o obrigatoriedade do uso de BIM em praticamente qualquer obra de porte relevante nos aeroportos regionais.
DIMENSÃO 2 - Impulsionadores e Líderes
O Brasil sempre teve muitos impulsionadores individuais (champions), especialmente na academia e nas empresas de software, que trataram de trazer o conhecimento sobre o uso do BIM ao mercado brasileiro. Trata-se de um movimento que vem sendo empenhado desde 2005 e segue em franca expansão nacional. Mais recentemente, instituições como a CBIM e o BIM Fórum Brasil - BFB e, antes deles, o SindusCon-SP, AsBEA, ANTAC e a CBIC, entre outras instituições, passaram a empenhar esforços conjuntos. No contexto, é importante ressaltar a fundação do BIM Fórum Brasil tal como liderança neutra, que congrega os diversos agentes da Cadeia da Construção em âmbito nacional. Com um pouco mais de 12 meses de vida, o BFB já congrega 40 empresas brasileiras entre os seus associados, bem como tem realizado eventos para promover o debate sobre questões cruciais e o diálogo entre profissionais atuantes no mercado, empreendedores, investidores, especialistas da comunidade acadêmico-científica e representantes do poder público. Pelo seu caráter neutro e harmonizador das diferentes visões de mercado, tem potencial para avançar a maturidade do país nessa dimensão.
Já em relação aos líderes (drivers) – grupos ou indivíduos com um mandato oficial para conduzir uma política ou estratégia – até o momento, no Brasil só foi mapeada a criação do Comitê Estratégico de Implementação do BIM – CE-BIM e depois o Comitê Gestor da Estratégia BIM BR – CG-BIM e, mais recentemente, grupos internos aos ministérios. Estados como Paraná, Minas Gerais e Santa Catarina também têm estabelecido estruturas oficiais para promoção do BIM regionalmente.
DIMENSÃO 3 - Marco Regulatório
Nesta dimensão do modelo, no Brasil, ainda há um extenso caminho a ser percorrido. Avançar nesta dimensão implica em ter modelos contratuais que prevêem o uso do BIM, bem como fluxos de trabalho padronizados, lista de entregáveis BIM padronizados, editais que definem padrões para a prática do BIM, entre outras exigências. Até o momento, alguns documentos internacionais são adaptados para a realidade brasileira, mas ainda não há documentos brasileiros publicados justamente para compor um arcabouço de marco regulatório referente ao uso do BIM para a realização de empreendimentos e projetos em âmbito nacional. Neste sentido, a elaboração das Normas BIM tem avançado - um trabalho que tem sido realizado com o envolvimento de integrantes do BIM Fórum Brasil, com destaque para a NBR 15965 – Sistema de Classificação, bem como a tradução da ISO 19650 e os trabalhos referentes à norma de objetos BIM.
DIMENSÃO 4 - Publicações Notáveis
O BIM foi muito bem aceito pela academia, que enxerga nele, sem dificuldades, um enorme potencial de avanço em benefício da Construção Civil, seja nas áreas tecnológicas, seja na gestão do projeto e construção, seja para planejamento e orçamentação, entre outras áreas beneficiadas. Tal realidade tem tornado o BIM foco de inúmeros estudos e pesquisas, o que leva à publicação de artigos, dissertações e teses, e também livros. Também no âmbito da indústria, é possível identificar excelentes iniciativas, entre as quais se destacam: a coletânea de Guias BIM da CBIC, de autoria de Wilton Catelani; a coletânea de Guias BIM da ABDI, que contou com Eduardo Toledo Santos entre os colaboradores; os Guias da AsBEA e outras publicações que, ainda que não cubram todo o escopo necessário, constituem-se em boas referências sobre BIM produzidas no país e em português.
No que refere às publicações notáveis brasileiras - de modo somado à análise já apresentada desta dimensão, é possível mapear que as lacunas mais importantes a serem preenchidas no momento se referem à necessidade de elaborar conteúdo focado em obras de infraestrutura. Um dos elementos que conduzem à maior maturidade neste aspecto é justamente a existência de uma instituição que harmonize os esforços, evitando a sobreposição de conteúdos (redundância) e focando na cobertura dos gaps identificados – um papel que poderá ser cumprido pelo BIM Fórum Brasil.
DIMENSÃO 5 - Aprendizagem e Educação
Em termos de ensino universitário, é possível mapear cada vez mais a inserção do BIM nos currículos dos cursos de Arquitetura e Engenharia Civil, com as universidades brasileiras em diferentes graus de maturidade nesse processo. Ainda assim, é necessário ampliar a presença do BIM nos cursos técnicos e superiores e ainda há um extenso caminho a ser trilhado nesse sentido.
No lado do treinamento de profissionais que já estão no mercado, o Brasil tem uma oferta razoável de especializações, presenciais e à distância, bem como bastante oferta de treinamentos em ferramentas, apesar de não igualmente distribuída em todo o território nacional.
DIMENSÃO 6 - Métricas e Benchmarks
No Brasil, a adoção sistemática e padronizada de métricas não é uma prática comum em diversas áreas de conhecimento, o que não é diferente quando o assunto é o uso do BIM. As próprias pesquisas de adoção, métrica global mais básica, ainda são escassas em todo o território nacional. Muito ainda precisa ser feito para avançar a maturidade BIM do país nessa dimensão. A definição de métricas que permitam comparar o desempenho BIM de diferentes empreendimentos ou usadas para avaliar a capacitação individual de profissionais seriam ações positivas nessa direção.
DIMENSÃO 7 - Objetos BIM e Entregáveis Padronizados
Além da Biblioteca Nacional BIM. que tem aproximadamente 1700 objetos, existem vários fabricantes brasileiros que já criaram bibliotecas BIM, apesar de, relativamente ao tamanho do mercado, ainda serem poucos. Muitos produtos ofertados nacionalmente também podem ser encontrados em repositórios internacionais, tais como o BIMObject. Além disso, a norma brasileira de Objetos BIM encontra-se em desenvolvimento e sua publicação vai incentivar os fabricantes a desenvolverem bibliotecas de seus catálogos de produtos. Em relação aos entregáveis ou usos BIM padronizados, ainda há a carência por uma publicação nacional que seja referência nesta área.
DIMENSÃO 8 - Infraestrutura tecnológica
Há boa infraestrutura tecnológica disponível no Brasil, porém distribuída de modo muito desigual. Em termos de oferta de equipamentos e software, temos boa disponibilidade no Brasil, apesar do custo, dolarizado, ser alto. A infraestrutura de comunicação (banda-larga) é boa nos grandes centros, mas ainda deficiente em áreas mais periféricas.
O Modelo B não deve ser reduzido a uma única avaliação de Maturidade BIM de um país. Ao contrário, o exame da maturidade nacional sob suas várias dimensões permite oferecer um guia importante que indica onde já progredimos suficientemente e onde devemos ainda concentrar esforços. Já avançamos muito, mas ainda temos muito a fazer para a consolidação do BIM no Brasil.
*Após o lançamento de artigos, matérias, vídeos de especialistas, depoimentos de associados e outros conteúdos, encerramos hoje o mês comemorativo do primeiro ano de lançamento do BIM Fórum Brasil. Agradecemos novamente a nossa equipe e a todos os associados e parceiros, que nos apoiam na missão de promover e ampliar a difusão e a adoção do BIM no país.